sábado, 11 de abril de 2015

Nós, juristas, amadurecemos conforme a cerveja que bebemos

Ae galera, segue texto publicado no site justificando.com, onde eu faço uma pequena comparação da evolução de nossas carreiras, e a cerveja que sempre nos acompanha!

Espero que gostem!

"Então, de repente, você foi aprovado na faculdade. Parabéns, agora seu sonho de ser advogado, juiz, promotor, vai se realizar! Vamos logo para o sinal arrecadar dinheiro para o bixo! Quanto mais dinheiro, mais “breja”. Qual? A mais barata, não importa, hoje o negócio é festejar e ficar bêbado!
Acho que você se lembra desse dia, enquanto lê esse texto com a gravata afrouxada, ou com pé dolorido, livre do salto, que te aporrinhou o dia inteiro. No entanto, será que você se lembra da cerveja que bebeu? Duvido. Talvez hoje, você sequer se lembre mais da marca, agora na advocacia ou concursado, ou até esteja no período de transição e esteja abandonando-a lentamente. Enfim, a cerveja pode ser um bom termômetro da vida acadêmica.
Voltemos. Logo no primeiro ou segundo ano, em meio a montanha de trabalhos acadêmicos, introduções à ciência do direito, conseguimos nosso primeiro estágio, e com ele, nosso primeiro salário, conquistado depois de rodar todos os fóruns do Estado, tirar fotos de processos inacabáveis. Nessa hora, nosso dinheiro é curto, logo escolhemos aquele boteco de esquina, sem mesa e sem cadeira, mas que atende a todas nossas vontades: música, galera, agitação e, claro, “breja” barata e gelada! “Chama a Itaipava, litrão”.
Depois da correria e muita “breja” barata, lá pelo nosso terceiro ou quarto ano, a situação já muda – agora somos estagiários “quase” internos, fazemos petições de juntada e de substabelecimento, temos carterinha da OAB e, lógico, nosso salário deu um merecido ganho.
No entanto, não se sabe o porquê, a vontade de tomar aquela “breja” barata não passou. Talvez uma das mudanças seja que ficar bêbado, nessa etapa, normalmente vale para os finais de semanas. Somos mais responsáveis (cansados, na verdade). Gradativamente, passamos a nos aproximar mais da faculdade, o bar é um pouco mais caro. A cerveja agora é de 600 ml, porque o litrão esquenta muito rápido, e a disputa fica entre os que gostam de Brahma e os que gostam de Skol. Mas, “pede qualquer uma delas, ‘breja’ é tudo igual” (Eu sei que você, cervejeiro ou cervejeira, quase enfartou com essa frase, mas se acalme).
Ah, agora somos veteranos! No escritório já não batemos mais perna, nossa vaidade é engrandecida, quando somos até “chefe” de outro(a) pobre estagiário(a). Nem tudo são flores, porém: tem a prova da OAB, entrega de TCC, efetivação no emprego. Sim, é um ano difícil. Pra tentarmos relaxar um pouco, a combinação amigos, bar e “breja” é infalível, não é? Atravessamos a rua, vamos para aquele bar com mais mesas e cadeiras, garçons mais bem vestidos. “Zé, traz uma Original! Se não tiver gelada, pode ser uma Serramalte! Só não traz a Heineken, é muito amarga”. Processo de gourmetização quase concluído. Nossos queridos vencimentos já nos permitem a extravagância de jantarmos no bar, e de escolhermos cervejas mais renomadas, afinal “cerveja não é tudo igual, não” (viu? Falei para você se acalmar).
A formatura chegou, com ela veio a aprovação na OAB (ufa!) e a efetivação no escritório. Somos advogados! Achamos que sabemos tudo sobre leis, parentes nos ligam todos os dias para resolvermos os problemas da família, somos o orgulho da casa. Fazemos nossas primeiras defesas, recursos e audiências. Glória! Comemoremos.
Claro que agora não com a mesma frequência, mas ainda assim vamos para o bar. Nesse momento, temos uma das conquistas mais aguardadas, já podemos entrar naquele bar estilo pub próximo da faculdade, que sonhamos durante cinco anos, só que não tínhamos condições de bancar. Coisa fina, quase todos tomando Heineken. “Ah, vou experimentar”. “Poxa é boa, mais amarga, mas é boa”.
Nos primeiros anos de formado recebemos alguns aumentos, primeiros casos com mínimas porcentagens de participações, mas, agora, o bar não muda. Afinal, ficar de pé na muvuca, já não nos agrada mais. Então, aquele pub vira nossa segunda casa. Conhecemos todos os garçons pelo nome, dominamos o cardápio, e agora sentamos entre amigos para falar do trabalho e pensar em negócios. Ai vem o garçom e nos oferece nossa primeira “breja” de trigo, e serve a garrafa toda num único copo, com aquela viradinha no final, para aumentar a espuma. Nesse momento, nossa vida muda! “Caraca, a “breja” tem aroma e gosto de canela e banana!”. Na verdade, a “breja” finalmente se torna cerveja…
Nas próximas vezes, o mesmo garçom, que já percebeu ter apresentado o fascinante mundo cervejeiro a mais um consumidor, chega e nos oferece uma cerveja nova. Uma cerveja escura, com a espuma que mais parece uma cascata, com aroma de café, e paladar mais seco. Pronto, agora nos conhecemos a famosa Guiness, e intrigados perguntamos ao garçom que tipo de cerveja ela é: “Uma Stout, boa não? Depois dessa vou trazer outra pra você experimentar, uma IPA”. O que diabos seria uma IPA? Com o celular, fazemos uma pesquisa rápida, e descobrimos se tratar de uma Índia Pale Ale. Nisso, a cerveja já está na sua mesa, com uma intrigante cor acobreada, espuma espessa, e o aroma cítrico e chamativo. Tomamos sem preocupações, afinal dinheiro não é mais um grande problema, já somos associados com participação fixa no escritório.
Noutro dia, sentamos no nosso bar favorito, e nem pensamos duas vezes. “Me vê uma IPA”. Na hora o garçom responde: “Na garrafa ou em Chopp”. E ai você percebe que seu conhecimento de cerveja precisa ser aprimorado. “Tem diferença entre a cerveja na garrafa e cerveja em chopp?”. “Claro, uma é pasteurizada, outra não”. Mais uma pesquisa rápida e descobrimos que cerveja em garrafa, na maioria das vezes, passa por processos físicos que eliminam qualquer tipo de microrganismos, e que o chopp, sem esses procedimentos, ainda conserva alguns microrganismos, chamados leveduras, que continuam agindo na cerveja, modificando seu sabor, mesmo já no barril. Nessas horas nossos processos criminais e previdenciários já perdem um pouco da graça, não é não?
Agora, já não tem mais volta. Terminamos a faculdade de direito, temos emprego, estamos crescendo em nossas carreiras, e descobrimos o mundo fascinante e complexo das cervejas. Nosso paladar pede pelas cervejas artesanais. Somos tão interessados, que já sabemos que existe uma Lei, n.º 8.918/94, que regulamenta a produção e a venda de cerveja no Brasil. Fazemos cursos online sobre como produzir cerveja, como analisar aroma e sabor da cerveja. Ensinamos amigos, brincamos de harmonizar os diferentes estilos de cerveja com comida, e, sem notarmos, temos um novo passatempo, que, como dito acima, nos faz afrouxar a gravata, libertar-se dos saltos, e curtir a vida.
Para falar a verdade, a cerveja sempre nos foi companheira, fazendo-nos lembrar e esquecer de muitos dos melhores momentos de nossa jornada jurídica. Só que agora sabemos: beba menos, beba melhor!"
Rui Cerri Maio Filho é servidor público federal, sommelier de cervejas e fundador do blog http://respostaecerveja.blogspot.com.br/

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